A Origem da Central Paracósmica - Capitulo 7
- Malp Dragon
- 13 de fev.
- 8 min de leitura
Mente Arranhada
A constante linha reta era a prova definitiva da situação.
Sem coração, minha filha tinha poucas chances de sobreviver. A tecnologia de Julgamento combinava diversas técnicas para mantê-la em um estado vegetativo, manipulando o sangue pelos tubos, enquanto o líquido que nos envolvia fazia sua mágica para acelerar nossa regeneração e preservar nossa saúde. O maior problema era que o disparo não apenas destruiu aquela parte da alma dela, mas também deixou uma rachadura no seu núcleo, algo que poderia ser irreparável.
Tudo o que eu podia fazer era observar.
— Você tem visitas — Genekit disse através da conexão.
Vi quem era pelos olhos dele e considerei dizer que não queria nada com ela, mas ele foi mais rápido:
— Se quer ficar bravo, fique diante dela. Se guardar essa raiva para si, não vai ser nada saudável.
A pior parte da conexão era saber que cada sermão e conselho vinha carregado de experiência. Mesmo que eu quisesse, não poderia refutar suas palavras, pois as razões por trás delas vinham junto com a mensagem.
Soltei bolhas pela boca — a única forma de suspiro possível para quem estava submerso — e nadei para cima, onde ficava a borda da piscina curativa. Os equipamentos ligados a mim não pesavam muito, ainda menos dentro do líquido, mas preferi manter a maior parte do corpo lá dentro, cruzando os braços sobre a borda e apoiando a cabeça neles.
— É bom garantir que as defesas estejam online — murmurei, mantendo o olhar fixo na porta do outro lado da sala.
Uma risada ecoou pela conexão, contrastando com tudo o que eu sentia.
A porta então se abriu, e uma das últimas pessoas que eu queria encontrar caminhou em minha direção. Seus passos eram lentos e silenciosos, como os de um predador. Seu olhar afiado estava travado em mim, mas sua postura transmitia um ar mais melancólico do que eu estava acostumado a ver.
Quando chegou perto o suficiente, sentou-se e manteve as orelhas voltadas para mim. Seu olhar desviou-se por um instante, pousando sobre minha filha no fundo da piscina. Então, voltou a me encarar, agora com a cabeça levemente abaixada — algo incomum para ela.
— Fiquei sabendo o que aconteceu — começou, deixando um silêncio entre nós. — Não imagino o que você esteja passando.
— É claro que não sabe, Luna — retruquei. Uma tosse escapou da minha garganta, mas nada tão sério quanto o resto. — Você não estava lá. Assim como não esteve das outras vezes.
— Malp…
— Não! — cortei antes que ela começasse a se desculpar ou tentasse se justificar. Quase nunca ela estava sozinha, então talvez essa fosse a única chance de me expressar sem interrupções. — Você não tem o direito de opinar aqui! Não depois de tudo o que vocês provocaram!
— O que nós provocamos?
Minha mão se moveu antes que eu percebesse, agarrando a pele atrás da nuca da minha líder e erguendo-a. Não era difícil, já que ela era uma gata siamesa. Nossa história ia além das nossas posições, mas isso não me impediria de nada.
— Sim! Ou você acha que somos burros? — Vi seus olhos se arregalarem. Uma fagulha de sua aura estalou no ar perto da minha mão, mas seus efeitos foram negados. — Não adianta tentar se soltar. Aqui, eu sou seu superior, sobrinha.
— Malp, espera! — Ela se debateu com força, tentando escapar. Suas garras rasparam na minha pele, mas nem chegaram a arranhá-la. — Eu sabia que você não ia gostar, mas…
— Mas nada! — Virei, deixando-a suspensa sobre a piscina, que brilhava com uma luz fraca por toda a extensão. — Vocês sabiam que nenhum de nós aceitaria essa ideia, e mesmo assim tramaram tudo pelas nossas costas! Pelo que vi, você até convenceu o pessoal da nossa base! Não bastava todo esse esquema com os outros líderes, você precisava envolver o resto do grupo no seu jogo?
— Espere, Malp! — Desistindo de lutar para se soltar, a gata agarrou meu braço com a cauda e as patas dianteiras. — Isso foi planejado há muito tempo! Essa foi a forma que escolhemos para mostrar o quão excepcionais vocês são!
— Mentira! — berrei, afundando-a no líquido.
Um dos fatos mais interessantes do líquido curativo desenvolvido por Julgamento era que ele era respirável. A sensação ao inalá-lo pela primeira vez era estranha, mas não irritante ou desagradável.
Observei enquanto ela passava por todas as fases da descoberta desse fato. Primeiro, tapou o focinho com as patas para segurar o ar enquanto afundávamos em direção à minha filha. Depois, começou a se debater quando percebeu que não aguentaria mais. Por fim, o reflexo falou mais alto, e ela respirou o líquido pela primeira vez. Quando finalmente entendeu que não se afogaria ali, já estávamos ao lado da minha menina.
— Se vocês não tivessem feito isso, eu teria confiado em vocês! Teria pedido ajuda para enfrentarmos aquele canalha como um time! — Segurei-a de frente para o buraco de onde saíam os tubos. — Isso não teria acontecido! Isso é culpa de vocês tanto quanto é dele!
Com um último empurrão, joguei Luna sobre o peito de Myu. A vontade era arremessá-la contra a parede do outro lado, mas o líquido a impediu de ir tão longe. Eu, por outro lado, fui arrastado pela inércia, caindo sobre o peito da minha filha. Debrucei-me sobre ela, o olhar fixo em seu rosto.
Não sei quanto tempo levou para Luna se acostumar com o ambiente, mas logo senti sua pata tocar minha mão. Mesmo sem olhar para ela, sabia que encarava a mesma cena que eu.
— Por que vocês fizeram isso? — Minha pergunta veio carregada com lágrimas que não sairiam ali dentro. A raiva, enfraquecida, dava lugar ao peso das outras emoções que ainda queimavam. — Por que quiseram nos prender com essas coleiras?
— Isso não… — Ela mesma se calou. Sua pata saiu da minha mão. — Não. Você tem razão. Criamos esse cargo para ensinar vocês a terem mais responsabilidade. Sabíamos que não iam gostar, mas fizemos mesmo assim. Vocês podem ser alguns dos melhores, mas também são os mais imprevisíveis e rebeldes. Você e suas filhas tentaram revelar a magia ao mundo só por causa dessa escolha!
Era um ponto válido. Se todos soubessem o quão fácil é despertar a própria alma para usar magia, a população mundial provavelmente seria reduzida a 1% ou até menos do que é atualmente.
— Você sabe que nosso trabalho seria melhor assim — comentei, virando para encará-la. O brilho azulado de sua aura cintilava nos olhos. — Mas não importa… A merda já tá feita. Ninguém pode ajudá-la agora…
Luna ficou em silêncio por um instante. Achei que tinha vencido, mas ela ainda tinha ideias para compartilhar:
— E a esposa do seu irmão?
— Eles estão ajudando numa retomada planetária lá em Andrômeda — expliquei, voltando a observar Myu. — E o poder dela não cura almas.
— E o outro você que se tornou um Oniro?
— Ele ainda está se tornando um — corrigi, sentindo a conexão com ele se fortalecer durante a conversa. — Mas não adiantaria. Oniros não possuem essa capacidade também.
— Mas e…
Calei-a com um gesto. Meu maior desejo naquele momento era encontrar um meio de salvar minha filha, mas não existia nenhum. Talvez houvesse alguém com o dom perfeito para a tarefa, mas não conhecíamos esse ser.
— Pare — pedi, sem mais vontade de discutir. — Você já fez estragos demais.
O silêncio que se seguiu foi intenso, preenchido apenas pelo som das bolhas e dos equipamentos. Por um momento, achei que ela tivesse ido embora.
Pensei errado.
— Isso não é justo!
Em um salto, Luna entrou no meu campo de visão, ficando próxima ao rosto de Myu.
— Eu sei o quanto você se importa com a gente! — Sua voz carregava frustração. — Com elas! Com sua família na Terra e até com esses outros você! Quando pensamos em criar esse título, eu realmente quis que fosse para mostrar o quanto me importo com você! Mesmo contra a vontade dos outros, até do meu marido, eu sempre fiz o que achei ser o melhor para você! Você ainda é meu tio, nem que seja só por consideração! Você não pode me culpar por tudo que dá errado ao seu redor! Não fui eu quem matou o ni…
— Recomendo que pare por aqui, dona gata.
Uma bolha se formou ao redor de Luna. Nenhum som saía dela, mas era claro que ainda entrava, dada a reação dela.
Nosso intruso era Genekit, ainda apenas uma cabeça ligada a diversos cabos. Ele empurrou a pequena prisão para o lado, afastando Luna de mim e se colocando entre nós.
— Abaixe a mão, Paracosmo — pediu, sem desviar os olhos dos meus.
Só então percebi as garras de aura que havia formado. Uma delas estava perigosamente próxima do rosto dele. Ou melhor dizendo, onde Luna estava antes.
— Foi mal… — Desfiz as garras e abaixei a cabeça.
— Foi mesmo — ele disse, dando uma cabeçada leve que não machucou nenhum de nós. — Lembre-se de nossas promessas.
— Eu sei… Não bagunçar a casa dos outros.
— Exatamente. — Ele assentiu antes de se virar para Luna. — Quanto a você, peço que se retire. Não precisamos de mais confusões e emoções negativas do que já temos aqui.
Luna não disse nada. Seu olhar ainda permanecia em mim. Sentia que queria dizer algo, mas a bolha era eficiente o suficiente para impedir qualquer tentativa. Quando percebeu isso, apenas parou, sentando no chão curvo da esfera.
— Perfeito. Pode deixar que eu te mostro a saída — disse ele, abrindo um sorriso de orelha a orelha.
Com um comando, uma garra desceu do teto e puxou a bolha para longe.
— E lá vai ela…
Observamos o pequeno brilho do objeto em silêncio, esperando até que estivesse bem longe. Como na maioria das vezes, foi Genekit quem quebrou o silêncio:
— Isso foi mais intenso do que eu achei que seria, e olha que eu esperava muita coisa!
— Não muda o fato de eu estar certo.
— Talvez. Mas eu diria que também temos nossa parcela de culpa por deixar as duas participarem da batalha.
Não tinha resposta para isso. Era uma das muitas dúvidas que me assombravam. Uma culpa, um remorso que se acumulava desde as últimas horas.
— Sei que devia deixar isso de lado, ainda mais porque tive que amarrar o Dragon para ele ficar quieto enquanto se recupera.
— Ele tá descamando? — Perguntei, curioso. Ele havia bloqueado a conexão, algo que não era incomum entre nós. Mas, ao contrário da ausência total do Plam, esses bloqueios eram como uma porta fechada ou um telefone indo direto para a caixa postal. Sabíamos que a pessoa estava lá, só não queria conversar.
— Um pouco, mas já deve ter parado — respondeu, tentando contato pela conexão. A resposta foi a mesma. — Isso é uma vantagem para nós.
Franzi a testa, confuso.
— Como assim?
Ergui a cabeça para encará-lo melhor e vi seu sorriso se alargar ainda mais.
— O Anfini descobriu onde o Plam deve estar. Estamos montando uma expedição para lá.
Antes eu só havia erguido a cabeça. Agora, fiquei de pé.
— Isso é sério?
— Sim! E antes que pergunte, já decidimos: você vai também.
A animação tomou conta de mim. Os equipamentos médicos em meu corpo podiam ser adaptados para a viagem, e eu sabia que Genekit faria de tudo para impedir Gina de me seguir. Considerando tudo que aquele maldito do Plam sofreu antes de desaparecer, talvez ele nem tivesse mais chance de escapar.
Essa era a hora perfeita para atacar.
— É só falar que nós já vamos! — Exclamei, aproveitando o conhecimento de Genekit para ajustar os equipamentos ao modo andarilho.
— Ótimo, porque não temos tempo a perder! — Ele riu, já subindo pela piscina. — Quando estiver pronto, vá para o lançador!
Assenti, acelerando ao máximo o processo de adaptação. Por pouco não saí correndo assim que terminei, mas parei ao lembrar de algo importante.
Aproximei-me de Myu e depositei um beijo suave em sua testa.
— Aguente firme, Myu — murmurei. — O papai já volta.
Não importava o que aconteceria com minha menina. Plam pagaria por tê-la ferido tanto.
Disso, eu faria questão
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